Não, não sei para onde vão os barcos que construímos quando estamos tristes mas a vida às vezes é tão longa e repetida que até gostava de navegar com eles. É tão chuvosa, cinzenta, repetitiva e repetida que os barcos se fazem mais presentes. E bastava uma luz, bastava um telefonema a qualquer hora, uma mensagem a meio de uma aula, uma chamada perdida e não vista, uma frase dita por entre uma refeição ou uma entrada pela porta com um sorriso e uma notícia. Bastava esse contrato de compra e venda de uma vida nova, e os termos e condições já são o que menos me preocupa. O que me preocupa é não saber dos barcos que construímos quando estamos tristes por entre domingos longos e chuvosos e mais ainda não saber até quando terei de continuar a construí-los. A Ju que existia antes de 2012 leu um poema que hoje faz todo o sentido, cincos anos e uma vida inteira depois. Porque na vida, no amor e em tudo o resto o que mais dói é o quase e o ficar aquém. " Quási Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse àquem... Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído Num baixo mar enganador de espuma; E o grande sonho despertado em bruma, O grande sonho - ó dôr! - quási vivido... Quási o amor, quási o triunfo e a chama, Quási o princípio e o fim - quási a expansão... Mas na minh'alma tudo se derrama... Entanto nada foi só ilusão! De tudo houve um começo... e tudo errou... - Ai a dôr de ser-quási, dor sem fim... - Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim, Asa que se elançou mas não voou... Momentos d'alma que desbaratei... Templos aonde nunca pus um altar... Rios que perdi sem os levar ao mar... Ansias que foram mas que não fixei... Se me vagueio, encontro só indicios... Ogivas para o sol - vejo-as cerradas; E mãos de herói, sem fé, acobardadas, Puseram grades sôbre os precipícios... Num impeto difuso de quebranto, Tudo encetei e nada possuí... Hoje, de mim, só resta o desencanto Das coisas que beijei mas não vivi... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Um pouco mais de sol - e fôra brasa, Um pouco mais de azul - e fôra além. Para atingir, faltou-me um golpe de aza... Se ao menos eu permanecesse àquem... Mário de Sá-Carneiro,