5 anos (26 de Julho)
Fez esta semana 5 anos. 5 anos desde aquele dia em que tudo começou a mudar a sério. Desde aquele dia em que, sem nada ter mudado, houve uma vida inteira (as nossas todas e a minha em particular) que acabou ali. Era quinta-feira, tínhamos saído de uma consulta minha e estávamos no centro do Porto. E depois há aquela série de momentos: as ruas, os semáforos, o meu pai a dizer que era hora de mudar de país e de vida, a minha mãe a concordar, a Di nem sei se estava lá, e eu estupefacta e aterrorizada a não querer acreditar. Eu e a minha vida toda ali em jogo, um futuro mais que planeado e muito mais que desejado a caminho (aqui) e eu a ver tudo a desfazer-se ali à frente dos meus olhos e na minha cabeça. Lembro-me de quase tudo: do meu "não", de todas as (tantas) lágrimas, da viagem de comboio que foi a pior de sempre e da sensação de impotência, angústia e frustração. Naquele dia vi grande parte do filme que se seguiu à minha frente. Primeiro a negação, depois a dor da realidade. A candidatura à universidade e o sonho que isso representava a ficarem suspensos; as noites de revolta, dor, injustiça e choro; não querer ir e decidir ir, achando que seria o que tivesse de ser (perdida por cem, perdida por mil); ver que entrei na universidade e no curso que queria e isso ser um momento que foi tudo menos o que devia ser; ver os meus amigos a viver esse (e outros) sonho(s) e eu com a vida parada; ir e rejeitar tudo; descer o mais fundo que alguém pode descer lá e experimentar sensações e sentimentos que jamais quero viver ou relembrar; chorar, escrever, tentar falar e senntir-me perdida; sentir-me sem vida, sem objectivos, sem caminho, sem família, sem nada; sentar-me (lá) no chão da entrada da casa a conversar com a minha mãe e acabar a atirar-me para o chão daquele escritório a falar com o meu pai e a chorar, gritar e arrancar cabelo - ainda revejo isto como quem puxa atrás um filme e só espero nunca mais chegar, sequer, perto daquele estado que nem sei (nem quero saber) explicar; decidir, em conjunto com eles, que a hipótese que me restava era regressar e recomeçar; ter consciência, todos os dias, que voltar era a única coisa que me restava para não desistir de mim, deles e da vida; aterrar cá, levar um banho de sal e sol e tentar o recomeço possível tendo-os longe; sentir, todos os dias, a dor de viver longe deles e do círculo de amor e família que tivemos um dia; não saber o que fazer com tudo o que já tinha sofrido e com o que ainda me faltava sofrer; entrar, finalmente, na universidade e levar o maior choque e banho de realidade da minha vida com esse "recomeço" e com a rotina; achar, todos os dias, que nunca conseguiria acabar o curso; passar metade do tempo a chorar e a outra metade a tentar estudar; ter um resultado péssimo no primeiro teste e um quase ataque de pânico antes do segundo teste; querer mudar de curso todos os dias daquele primeiro semestre; fazer psicoterapia e começar a (re)construir um caminho que me foi fazendo continuar e reaprender a sonhar; começar a gostar do curso, confirmar que tenho capacidade para o fazer e decidir que o quero (muito) fazer; apaixonar-me pelo curso e encontrar (também) nele um sentido para a vida; deixar a vida seguir o seu rumo e ir sonhando. Passaram-se cinco anos. Tive e tenho (todos os dias) umas saudades infinitas deles e uma falta incrível de os ter aqui perto. Chorei a alma e a vida, sobretudo no início, e continuo a chorar de vez em quando pelo colo deles que está tão longe. Percebi e sei que há feridas que cicatrizam mas nunca serão esquecidas. Acabei o curso e foi, até agora, a grande realização da minha vida. Tive uma festa de finalistas linda e especial e os meus pais ficaram tão ou mais felizes do que eu. Decidi o que quero continuar a estudar e onde e estou em paz com isso. Pelo meio continuei a ter os meus amigos de sempre por perto, fiz amigos incríveis na universidade como nunca achei possível e estudei que me fartei. Dediquei-me profundamente ao curso, como queria, e tive excelentes resultados - fi-lo por mim, por eles e porque precisava de provar a mim (sim, antes e para lá de qualquer coisa, a mim) e ao mundo que era capaz e conseguia. Cresci - durante estes cinco anos cresci infinitamente enquanto pessoa: ganhei um lado humano que de outra forma nunca teria; percebi que grande parte da nossa vida não depende de nós, só nos resta saber viver com isso; percebi que a dor nos transforma e nos pode fazer ser melhores pessoas; ganhei compreensão para com quem vive momentos de fragilidade; ganhei sensibilidade (muita) mas também me tornei ainda mais defensiva; Mudei: mudei tanto a forma de ver a família e a vida, e ainda bem! Percebi que nada pode ser mais importante que a família e o amor porque sem eles nada (mesmo nada) faz sentido. Percebi que quero muito tê-los sempre perto. Percebi que quero muito encontrar alguém que me ame por aquilo que sou e que queira viver uma história de amor comigo. Percebi que quero muito casar, com véu, assinaturas e tudo. Percebi que quero muito ser mãe e educar um filho. Talvez esta seja das maiores riquezas que tudo isto me deixa: a certeza de que a família se sobrepõe a tudo e que quero muito viver a conjugalidade e a parentalidade. Foi difícil, muito difícil até, o tempo que se seguiu àquele dia. Talvez não tivesse sido preciso tanto sofrimento para crescer. A vida quis assim. Cresci, sobrevivi e descobri aquilo que quero para mim. Consegui aquilo de que tanto duvidei e achei impossível. Estou em paz, todos os dias, com a vida que escolhi e escolho e isso não tem preço. (Eles estão lá e vou continuar a querer tê-los sempre aqui e por perto, isso é inultrapassável, mas hoje e agora estou em paz com isso e é o que verdadeiramente importa.) Sobre o resto? Amor e enquanto houver estrada para andar a gente vai continuar.