26 de Julho de 2012, 6 anos depois
Passaram-se seis anos desde aquela manhã de Julho em que tudo se começou a desmoronar à minha frente. Uma manhã normal, uma consulta numa cidade diferente e duas viagens de comboio. Mais um dia simples de Verão, pensava eu na minha inocência. Depois atravessamos aquelas ruas, já no fim da consulta, e lembro-me vagamente de tudo. Das ruas, das linhas do elétrico, dos semáforos e de tudo o que comecei a ouvir sem querer acreditar. Lembro-me de eles começarem a dizer que queriam ir embora para outro país, lembro-me de ter dito em voz sumida e apagada para evitar um grito que "eu tenho um curso para fazer AQUI", e só não adicionei palavrões porque não fazem parte de mim. Lembro-me levemente de tudo e ainda não imaginava nada do que se seguiria. Quando chegamos à estação de comboios para voltar já só conseguia verter lágrimas e já não tinha voz. Lembro-me de passar a viagem de volta toda em silêncio e com lágrimas a caírem-me ininterruptamente pela cara. Lembro-me que eles foram continunando a falar e lembro-me ainda mais do estúpido do slogan que estava colado pelo comboio todo "Próxima paragem: mudar a sua vida". Estúpido e mais irónico que estúpido. Nunca a CP conseguiu um slogan que se adequasse e impregnasse tanto a um momento da vida de alguém como aquele, naquele dia e naquele momento. Soube, nas ruas daquela cidade e entre aqueles semáforos, que a vida como eu a conhecia estava a acabar ali. Dezassete (quase dezoito) anos de uma vida tranquila e de uma família que era a definição de amor. Dezassete (quase dezoito) anos e todos os sonhos do mundo a ruírem. Dezassete (quase dezoito) anos e eu a ficar sem chão e sem a família. Não é todos os dias que um pai e uma mãe nos anunciam que vão viver para uma cidade do outro lado do oceano... que só por acaso é o último sítio onde algum dia viveríamos. Mas aconteceu e aconteceu naquele dia. Aquela menina que naquele dia ouviu aquilo não imaginaria a força que teria de ter para sobreviver. Dessa menina ainda tenho a essância mas pouco mais resta. Tem sido seis anos duros demais, e se cresci muito mais que aquilo que poderia ter imaginado também sofri muito mais que aquilo que cresci. Seis anos depois estou desgastada e exausta, cansada de levar com tudo e com o mundo inteiro sozinha. Frágil e vulnerável como nunca me conheci, acho que acima de tudo é isso. Estes seis anos tem sido a maior prova de fogo que a vida me poderia ter dado e tem testado a minha fragilidade ao limite. Perdi a vida que tinha mas ganhei em humanidade e humildade. Tenho percebido claramente, por força de tudo o que me dói, que aquilo que é verdadeiramente importante na vida são as pessoas que nos tocam o coração. Tudo o resto é completamente desnecessário. Com amor movemos o mundo e temos força para o reconstruir tantas vezes quantas as que forem preciso. Com saudades que doem somos uma sombra de um passado feliz à procura de bocadinhos de esperança no futuro. Eles hão-de voltar e só aí eu poderei começar a fazer as pazes com estas feridas e deixar que elas cicatrizem. Até lá sobreviverei, em nome da réstia de esperança que tenho no futuro e nesse regresso... mas as feridas estão abertas e lembram-me que aquilo que é importante é o amor. Só isso. Para nunca me esquecer da frase que diz que o amor é o que nos salva. Continuarei ferida, profundamente ferida, mas sempre à procura de amor para sossegar a dor.