30 de Abril de 2012 - 7 anos depois
7 anos. Faz hoje sete anos que nos despedimos daquele olhar azul céu para sempre. Já não sei como estava o tempo mas hoje esteve sol. Já não sei muito bem como aconteceu, mas estas datas obrigam-me a voltar atrás e pensar naquilo que foram estes sete anos. Nunca me cansarei de dizer que aquela Ju de 2012 era feita de sonhos e de magia da ponta do cabelo à ponta dos pés, e que bom que era. Também nunca me cansarei de dizer que foi depois daquele ano que tudo mudou... e que com a vossa despedida, ou com a vossa morte, tudo começava a mudar sem que eu imaginasse. O que veio depois daquele Julho foi tudo o que a Ju dos sonhos nunca poderia ter imaginado e a minha memória fica um bocadinho enevoada. Em Janeiro a avó morreu, em Abril morreste tu, e em Julho os meus pais decidiam largar tudo de um dia para o outro e partir para uma nova vida do outro lado do mundo. E eu... bem, eu era a Ju dos sonhos e da magia e passei a ser a Ju dos pesadelos e da dor, exatamente na mesma proporção dos sonhos que tinha, porque uma coisa deu dolorosamente lugar a outra. Eu era a Ju sonhadora à beira de entrar na universidade e passei a ser a Ju perdida da vida... que ou vivia o sonho da universidade e perdia os pais, ou seguia com os pais e perdia o sonho da universidade. O que se seguiu foi uma ferida para vida que está perto de ficar fechada mas deixará para sempre uma cicatriz. Acabei por ir com eles, muito (mas muito) mais por arrasto e perdida do que por vontade. Acabei por perceber muito rapidamente que nunca na vida me seria possível respirar ou viver noutro sítio que não o meu, e que tinha de voltar urgentemente para casa... para aqui, para o meu lugar, para este pedaço de céu que me viu nascer e crescer e será sempre A minha casa. E vim. Numa dor para a qual não tenho palavras porque isso significava deixar de ter os meus pais mas voltei... era o único ato que me restava fazer para tentar sobreviver e não desistir de mim e voltei. Doeu, doeu profundamente durante muito tempo mas sobrevivi. E por aqui e por ali fui reaprendendo a viver e a respirar e às vezes até a sorrir. E depois... bem, depois vem tudo o que me trouxe até aqui e até hoje. Vem a universidade, que começa em lágrimas e num vazio infinito para o qual nunca terei palavras e depois se torna no meu lugar feliz, na minha segunda casa e na realização de um sonho de vida meu. Vem a arte de reaprender a sonhar e a realizar. Vem as notas e os testes e o sonho de ter o curso feito cada vez mais perto. Vem o fim do curso e aquela alegria que me inundava por todos os lados e me fazia brilhar cheia de sonhos. E depois... e depois disso quase que voltamos outra vez ao zero. Porque eles não voltaram, nunca mais voltavam nem planeavam voltar e a ausência doía. A ausência deles voltou a ter um peso do tamanho do mundo e arrancar-me o chão dos pés. Voltou a fazer-me chorar desalmadamente e jurar que trocava tudo, mas tudo mesmo, pela ausência deles. E eles não vinham. E a vida doía. E pelo meio havia a paixão. Essa coisa que me fez brilhar e ao mesmo tempo me foi destruindo o coração. Essa coisa que me fazia sonhar e ao mesmo tempo me desmoronava o sonhos. E vieram as dúvidas, e as perguntas, e os milhares de pensamentos, e o querer sem saber que queria, e o querer sem querer. E vieram semanas e meses e meses que em levaram ao limite dos desgaste e me levaram o coração por vales de dor que nunca queria dia algum ter conhecido. E veio o cansaço, sempre o cansaço... e depois há um dia em que alguém me empurra - graças a Deus e à vida - e em que eu consigo finalmente bater o pé e ter a conversa de todas as conversas sobre o (des)amor. A conversa que já devia ter tido há muito e que nunca tinha sido capaz de ter. E o (des)amor acaba, felizmente, naquela noite: acaba porque ouvi aquilo que devia ter ouvido há muito, e porque percebi que afinal, de forma mais ou menos consciente, eu fui só uma espécie de brincadeira, ou de tentativa de conquista, ou de flirt estúpido ou de qualquer coisa que nunca vou perceber bem. As pessoas só vão até onde as deixarmos ir.... e eu, por uma espécie de coisa que achei que era amor, deixei que me levassem o coração por aí. Acabou ali. E pelo meio entrei no mestrado, tive o ano letivo mais horrível e frustrante de sempre porque tudo o que podia ter corrido mal na universidade correu (e o que não podia também). E acabei esse primeiro ano viva e inteira.... e fiz as cadeiras todas, o que foi uma vitória. E comecei a estagiar, e tenho de estar grata à vida por me ter levado até aquele lugar de paz e tranquilidade. E inscrevi-me na ordem. E fiz as aulas da ordem. E pelo meio os meus pais decidiram voltar, ou iniciaram o projeto que os ha-de fazer voltar. E é por isso que estou hoje aqui sentada, aqui nesta (quase) casa reconstruída que será o sonho que os fará voltar. E não podia ter escrito este texto noutro sítio: tinha de o fazer aqui. Tinha de falar de morte e tinha de falar deste passado tão doloroso, mas ia fazê-lo neste lugar onde um sonho está a nascer e a crescer. E hoje,sete anos depois, tenho de me sentar aqui e pensar também no que é a minha vida hoje e no que quero que seja. Hoje... bem, hoje estou a estagiar num lugar de paz, estou inscrita na Ordem, estou cheia de vontade de chegar ao fim da Ordem e concluir esse caminho com sucesso. Hoje estou a escrever a tese de Mestrado, que foi uma das grandes promessas que me obriguei a fazer a mim própria para 2019, aqui mesmo neste lugar no final de 2018... e quero muito mas mesmo muito chegar ao fim deste 2019 com a tese escrita. Hoje estou a querer todos os dias, como ao longo destes sete anos, que eles voltem. Hoje quero muito que esta casa fique finalizada o mais rapidamente possível e que eles voltem o mais rapidamente possível. Hoje quero, assim muito mas mesmo muito, voltar a ser filha e voltar a ser irmã. E hoje quero, acima de tudo, ter o coração em paz e encontrar um amor. Quero e preciso, assim muito, de alguém que eu ame e que me ame, de alguém que me dê colo, que me faça sorrir e que eu faça sorrir, de alguém que me faça sonhar e sonhe comigo, de alguém que entre de mão dada comigo nos meus sítios, de alguém que seja amor, ternura, doçura, colo e abraços, de alguém que seja vida, alma, amor e alegria em mim, de alguém que em faça viver essa dimensão que a vida ainda não me permitiu viver. Hoje... quero que os meus pais voltem e quero encontrar esse amor-doçura. Há sete anos não poderia sonhar naquilo que seria vida ao longo deste tempo... ou a projeção que fazia da vida há sete anos era tudo menos o que aconteceu neste tempo. A vida doeu, e doeu muitas vezes muito, mas eu cresci e, até ver, sobrevivi. Agora estou aqui, sentada nestas pedras que tem a marca dos sonhos e do futuro por todo o lado, e só posso acreditar e esperar. Acreditar que temos uma vida de partilhas e de sorrisos para recomeçar em família. Acreditar que tenho um amor à espreita que será vida, amor e alegria em mim e fará sonhar e sorrir. Acreditar que um dia, daqui a uns anos, me sentarei aqui novamente e terei histórias bonitas e doces para contar sobre esse recomeço em família e sobre esse amor. A ti, querido avô, só posso fazer a promessa que mais feliz me fará na vida se um dia a puder cumprir: prometo que um dia, daqui a uns anos, hei-de estar à espera de bebé e depois com o(s) teu(s) bisneto(s) sentada nesta pedra, hei-de falar-lhes do avô Zé, dos olhos azul-céu do avô Zé e do sorriso luminoso é brilhante que tinha sempre que nos via. E nesse momento os meus pais vão ouvir-me falar do meu avô ao(s) meu(s) filho(s), e haverá uma corrente de vida, amor e família que se estenderá e nos lembrará qual é, afinal e a final, o sentido da vida.