Hoje encontrei esta passagem de Haruki Murakami “And once the storm is over, you won’t remember how you made it through, how you managed to survive. You won’t even be sure, whether the storm is really over. But one thing is certain. When you come out of the storm, you won’t be the same person who walked in. That’s what this storm’s all about”. Encontrei isto e não pude deixar de pensar em como a vida é (tanto!) feita disto. Às vezes acho mesmo que nasci, entre outras coisas, sobretudo para superar tempestades. Foi a saúde quando era criança. Foi ficar sem chão e sem caminho quando os meus pais foram viver para o outro lado do oceano. Foi aprender a viver e a sobreviver à distância deles e à ideia de não poder ser filha nem irmã. Foi viver e sobreviver a um curso superior tão exigente e, felizmente, tão apaixonante, mas que foi um desafio gigante do primeiro ao último dia. Foi aprender a viver os sentimentos e, com isso, a sobreviver por entre um coração (des)feito em pedaços e um desamor que me levou ao fundo e me deixou (quase) sem força, sem vida e sem ar. E eu olho para isto que acabei de escrever sobre mim e só consigo pensar “Bolas! Sou a maior! Sou mesmo uma mulher maravilha!”. Se um dia me contassem que a vida me ia testar tanto e o coração me iria fazer caminhar por lugares tão sombrios e difíceis, e tão sufocantes e angustiantes... eu ter-me-ia rido e diria que não era capaz de sobreviver a metade. Se me tivessem contado que ia haver dias, semanas e anos em que os meus pais iam estar do outro lado do mundo, em que o desamor me ia rasgar o coração, em que eu me ia sentir sem ar e sem força, sem vida e sem amor, sem futuro e sem presente...eu não teria acreditado. Mas aconteceu. Dias em que o presente era um abismo no coração e o futuro era sempre longe demais. Dias em que não tive passado que me suportasse, raízes que me amparassem e me empurrassem para a frente, braços e colo que me fizesse sonhar o futuro. Quis isto mais do que qualquer outra coisa e tudo o que tinha era um nada. Não podia ser filha nem irmã. Não podia ser namorada nem apaixonada. Isto rasgou-me o coração e a alma de ponta a ponta. Mas a verdade é que estou aqui. Estou aqui viva e inteira. Estou aqui para viver o presente e sonhar o futuro. Estou aqui para voltar a ser filha e irmã. Estou aqui para poder ser namorada, noiva e mulher. Estou aqui para poder ser a grávida e a mamã. Estou aqui para viver o agora e sonhar o amanhã. Com cicatrizes, sim. Com muitaaaaa vontade de agarrar a vida e os sonhos, sim. Com a ideia solar, luminosa e sonhada de um fim de tarde à beira de uma piscina, numa casa de família, rodeada dos meus e do meu marido, com um bebé na barriga.
Se eu ia viver a família com a vivo e entendo, se os meus nunca tivessem ido embora? Não, nunca. Provavelmente ia passar pela vida com eles mas sem noção do valor que isso tem e do sentido que isso dá à vida. Se eu ia entender o amor como o entendo, e se o ia viver como quero viver quando o encontrar, se não tivesse passado por este desamor? Não, nunca. Nunca daria ao amor o valor que lhe quero dar, nunca o ia viver com a entrega e a intensidade com que quero viver, nunca ia agradecer tão profundamente como hei-de agradecer. Digo isto porque acho que, à partida, os meus irão voltar a viver aqui e eu hei-de encontrar o amor. O mesmo que escrevi se pode aplicar à infertilidade, embora seja algo em que eu não pense. Até nesse ponto a vida me quis entregar um desafio, pois se um dia quiser ser mãe terei uma dura batalha pela frente. Mas lá está, se eu dia quiser mesmo ser mãe e decidir travar essa luta, e se no fim conseguir de facto ser mãe, tudo será diferente: darei um valor à maternidade, e irei vivê-la com uma entrega e uma intensidade, que nunca aconteceriam se conseguisse simplesmente ficar grávida sem mais. Será uma conquista resultado de uma batalha e eu irei vivê-la como uma dádiva. Por isso é que aquela passagem de Haruki Murakami me tocou tanto. Porque às vezes acho que nasci para viver os desafios e para os superar. Porque já percebi muito bem que isso nos muda. No meio da tempestade não sabemos como sobreviver e duvidamos muito da nossa capacidade de a superar. Quando ela acaba, e as minhas hão-de estar a acabar, nem acreditamos que já passou. E depois da tempestade e da superação, percebemos que não somos, nem de perto nem de longe, a pessoa que éramos no início, e isso é tão bom! Eu vou sempre achar que nunca seria necessário sofrer tanto e tão profundamente (e que ninguém me lixe e diga o contrário), mas também vou ter sempre consciência de que saio das tempestade mais forte, mais verdadeira, mais perto da minha essência, e mais (muito mais) próxima do sentido da vida, da família e do amor. Sim, como diz (e tão bem) o texto “When you come out of the storm, you won’t be the same person who walked in. That’s what this storm’s all about”.
P.S.: Quando a(s) tempestade(s) estiverem definitivamente passadas irei lembrar-me deste texto. Sempre.