Fechamos a casa (e é tão bom!)
Hoje fechamos pela última vez a porta desta casa. Pela última das últimas vezes. Foi nesta casa que nasci, que sorri, que cresci. Que aprendi a falar, a comer e a andar. Que aprendi a gostar de ler e de estudar. Foi nestas paredes que vivi (quase) tudo neste vinte e cinco anos de vida. Foi aqui que me tornei naquilo que sou. Foi aqui que sorri desalmadamente a cada boa notícia que recebi ao longo da vida. Foi aqui que chorei também desalmadamente a cada golpe que a vida me deu. Foi aqui que vivi. Foi aqui que me licenciei, que fiz o mestrado quase acabado, que comecei a estagiar. Foi para estas paredes que corri sempre a cada sorriso que queria partilhar e a cada lágrima que queria chorar. Foi nestas mesas e nestes muros que aprendi a estudar. Depois estas paredes e estes portões começaram a tornar-se pesados. A vida mudou e esta casa foi ficando cinzenta, escura, nublada e vazia. Foi começando a cansar e a vontade de a fechar pela última vez foi-se tornando cada vez maior. Tão grande que quase se sobrepunha a (quase) tudo o resto. E foram anos - mais de seis anos - a desejar profunda e intensamente largar esta porta branca e este portão verde. Largar esta casa foi uma luta longa que me fez chorar e sentir frustrada; que me fez ser agressiva com as palavras como nunca o tinha sido nem pensei ou quis ser. Foi uma luta que nos últimos tempos me fez usar da palavra e levantar bem alto a minha voz, usando aquilo que o Direito e a advocacia me tem dado a meu favor. Eu precisei disto e jurei a mim e ao mundo que isto ia acontecer, nem que fosse a última coisa que eu fizesse na vida. Demorasse o que demorasse. Aconteceu. Demorou alguns anos e mais que muitas lágrimas e palavras agressivas mas aconteceu. Não preciso de dizer que vou ter saudades. Estas paredes vão-me coladas à vida, à alma e ao coração para sempre. O que vivi, senti, cresci e aprendi aqui fica-me para sempre naquele espaço solarengo e feliz do coração onde guardamos o bom da vida. Vou ter para sempre saudades - já as tenho e ainda nem fechamos a porta - e se calhar até vou chorar de saudades um dia, mas isso só mostra o quanto fui feliz aqui (e fui-o infinitamnete durante a vida toda até aos últimos anos). Mas esta mudança tinha de acontecer e teria sempre de acontecer; custasse o que custasse ou demorasse o que demorasse; Esta mudança tinha de acontecer: em nome da vida, da energia da vida, da justiça e do sentido natural da vida. Vida: por ela e porque ela já voou para outras paragens há muito tempo, e o prolongar desta casa sem ela era só frustrante. Nós?! Nós havemos de continuar a sorrir por entre outras paredes e portas. Havemos de continuar a sorrir e a sonhar por aí, e a construir memórias felizes por outros caminhos. A vida prossegue: por entre outras paredes e caminhos, sorridente, feliz e muito mais leve. (E eu estarei sempre grata - infinitamente grata - à vida e às estrelas por esta mudança).
P.S. (E sair pela porta branca e pelo portão verde de sorriso rasgado e ao som - por mero acaso e pura coincidência - da "Grândola vila morena" só pode ser um bom prenúncio)