Guarda (pouco) partilhada
Convém dizer, para começar, que sempre tive e tenho uma relação muito forte, bonita e feliz com o meu pai. Ele é um dos grandes amores da minha vida e um dos meus pilares, se não o maior. Convém referir também que os meus pais estiveram e estão juntos, daí que sempre tive o privilégio de conviver com ambos. É talvez por isto que não consigo entender - e não consigo mesmo, de todo - como é que é possível haver quem questione tanto o regime de residência alternada dos menores (ou guarda partilhada). Isto é uma coisa muito minha e uma opinião muito pessoal, mas não sei como é que é possível alguém considerar que uma criança tem um desenvolvimento mais saudável e mais feliz num regime em que só pode conviver com o pai ao fim de semana de quinze em quinze dias (e jantar com o pai uma vez por semana, geralmente). Não sei como é que, numa situação normal, alguém acha que isso é mais saudável do que um regime em que a criança pode viver um período de tempo com cada um dos pais. Compreendo menos ainda que, numa situação normal em que ambos os pais acordam em fixar o regime de guarda partilhada, o Ministério Público, dizendo que não tem nada a opor, venha afirmar que o regime de guarda partilhada pode criar ansiedade e instabilidade e prejudicar o desenvolvimento futuro da criança. A sério que é mais prejudicial à criança viver em duas casas do que ser (quase) privada de conviver com o pai? É que, para mim, a tranquilidade e a estabilidade emocianal de uma criança dependem muito da existência de vínculos sólidos, seguros e felizes com ambos os pais. E não consigo conceber algo mais prejudicial ao desenvolvimento de uma criança do que ver-se privada durante largos dias de conviver com o pai, ainda mais quando tem uma relação segura e feliz com ele e quando viveu sempre com ele. É claro que não é uma situação ideal viver em duas, está muito longe disso, mas não consigo entender de maneira nenhuma que seja melhor a criança viver só com a mãe e realizar "visitas" (sim, é isto que a lei lhe chama) ao pai. É óbvio que é necessário que a criança se adapte, e que é preciso flexibilidade e esforço da parte dela, mas não consigo conceber nada mais triste do que perder o convívio corrente com o pai (e não, um fim de semana de quinze em quinze dias não é nada) E depois, se o problema é estar em duas casas, diga-se que a criança quando passa o fim-de-semana com o pai, no regime em que vive com a mãe e faz visitas ao pai, também tem de mudar de casa e levar roupas e tudo. Além de que, no regime de guarda partilhada, a criança pode ter roupas e demais pertences em ambas as casas de forma a não ter de andar a levar "malas" de uma casa para a outra. Acho que, entre duas situações que não são ideais (porque o ideal é sempre poder viver com ambos os pais), a guarda partilhada será sempre o regime que pertimirá mais equilibrío e estabilidade emocional à criança. E aquele que, ao contrário do que muitos acham, menos será prejudicial e menos deixará marcas negativas na criança. Não sei, talvez eu esteja a romantizar demasiado, mas não consigo imaginar nada mais triste do que perder assim o convívio corrente com o pai. Eu não tenho formação em psicologia, mas acho que o tanto que se perde ao conviver tão pouco com o pai deve deixar mágoas e marcas para a vida e deve criar muita insegurança e desequílibrio emocional. Nós sobrevivemos a tudo, é um facto, mas só a ideia de quebrar assim uma relação que devia ser a base da nossa vida custa-me. E custa-me ainda mais que haja pessoas, no próprio Ministério Público, a escrever que a guarda partilhada necessita de ser muito bem pensada e pode criar ansiedade, instabilidade e ser prejudicial ao desenvolvimento. Caramba, prejudicial ao desenvolvimento é perder uma parte tão importante e tão bonita da nossa vida como deve ser a relação com o nosso pai. Não sei como é que em Portugal, em 2019, com tanta formação e informação, ainda temos uma cultura tão reticente à guarda partilhada. Não sei como é que isso ainda não é a regra na maior parte dos casos, e como é que há tanta dificuldade em estabelcer esse regime, inclusivamente por parte dos tribunais. Espero que a tendência se vá alterando e que daqui a uns anos a regra seja a guarda partilhada. E acredito que sim, ou pelo menos vai havendo um sinal ou outro nesse sentido.
(Obviamente que isto é a minha opinião quando se trate de uma situação normal e não exista nada em contrário, assim como acho que isto também só faz sentido se os pais viverem a pouca distância um do outro. Se a capacidade de um dos pais estiver em causa ou se ambos viverem a grande distância, a solução terá de ser outra.
Tudo isto se aplica, igual e integralmente, ao caso em a criança vive com o pai e apenas faz "visitas" à mãe: também não consigo conceber nada mais prejudicial do que a criança ser privada assim do convívio corrente com a mãe. Simplesmente falo no pai porque, em grande parte dos casos, a criança fica a viver com a mãe. Mas é tudo igualmente válido para a situação oposta: a estabilidade e o equilíbrio da criança está sempre no vínculo e no convívio que mantem com ambos)