Quem está de fora acha muito que ser-se advogado é viver num mundo de glamour, formalismo, luxos e sofisticação. Já percebi, do caminho que percorri até aqui, que uma parte daquilo que as pessoas acham até é verdade. O meio é elitista, bastante formalista, feito de muitos egos e de alguma sofisticação, e isso percebe-se logo desde os bancos da universidade. Percebe-se pelas roupas, pela forma de ser, pela forma de estar e por tudo o resto. É uma coisa que os esrudantes vão vendo e assimilando naturalmente. Mas depois há toda uma série de (pre)conceitos que a maioria das pessoas tem que não são verdadeiros.. e há muita coisa pouco bonita que as pessoas não sabem. O glamour e o estilo de vida luxuoso são muito mais uma imaginação vinda das séries americanas do que uma realidade. O nosso sistema jurídico, além de totalmente diferente do anglo-saxónico logo desde a base, não é feito daquele glamour, daquele estilo de vida quase-perfeito de quem anda pelos tribunais e daquele "show" para espectador ver. Na verdade, acho que o sistema deles na realidade também não deve ser como as séries e os filmes o pintam. Depois, para lá deste glamour e luxo que não é uma realidade, há mais uma série de fatores a ter conta. Ser-se advogado significa não ter horas para trabalhar, significa estar sempre disponível para todos os clientes e todas as questões que surgirem, significa não poder desligar do trabalho ao fim-de-semana nem nas férias, significa ter angústias com os prazos, significa ter nos ombros uma responsabilidade quase inimaginável, significa largar tudo sempre que for necessário, significa colocar os problemas dos outros no topo das nossas prioridades, significa um desgaste gigantesco a cada sessão de julgamento, significa uma sensação de atropelamento por um camião de cada vez que um julgamento acaba, significa ter o coração nas mãos e descompassado a cada sentença que se recebe, significa ficar com o coração apertadinho com muitos dos casos que aparecem, significa deixarmo-nos a nós e aos nossos muitas vezes em segundo lugar quando o dever nos chama, significa não poder gozar uma gravidez e uma licença de parentalidade durante o tempo adequado e necessário, significa muitas vezes também ter tolerância e paciência para com clientes que não mereciam isso, significa por muito de nós naquilo que fazemos. Cada vez mais me convenço de que é preciso um altruísmo imenso e maior do que nós para exercer advocacia. E não, não há dinheiro que pague nada disto. Nem que os advogados fossem milionários, o que não é o caso, de todo, haveria dinheiro que pagasse isto. Não há preço para uma pessoa que larga um convívio de família quando alguém pede ajuda, nem há preço para uma grávida que no dia do parto vai enviar peças processuais por causa dos prazos, nem há preço para os momentos que se perdem quando só se chega a casa às 20h, 21h ou à meia noite. Eu sei já há bastante tempo que a advocacia não será para mim. Dêem-me um contrato de trabalho com horário fixo, fins-de-semana e os dias de férias estabelecidos no Código do Trabalho e eu sou feliz. Sei que não será para mim mas, enquanto não termino este caminho que decidi traçar, tenho refletido e hoje encontrei este texto.
" O julgamento é para o advogado o que representa para o cirurgião uma operação. Naquele período de tempo em que o doente está anestesiado, tem de dar tudo por tudo, não pode recuar nem voltar atrás. Da mesma forma, o advogado tem de concentrar todas a suas energias no julgamento. Quantas vezes o(a) advogado(a) termina o julgamento empapado em suor, esgotado fisicamente, como se tivesse levado uma sova… E às vezes leva mesmo, não é só ganhar…"*
Este texto resume, em certa parte, muito daquilo que é a advocacia. Resume também em parte as razões pelas quais isto não vai ser para mim. É um texto belíssimo por muitas razões. Um texto que todos deveríamos ler e conhcer. Um texto que nos lembra aquilo que eu mais tenho aprendido: o respeito enorme e o reconhecimento que devemos ter pelos advogados. Porque a advocacia, a verdadeira, é muito mais feita do advogado que se esgota em nome dos interesses do cliente e dá tudo o que pode por eles, do que do advogado que vive no glamour e tem uma vida cor-de-rosa.
*Edgar Valles, in "Prática Processual Civil", Alemedina, Coimbra