Com a saúde (mental) não se brinca
A saúde mental, a depressão, a ideação suicida e o suicidio tem estado na ordem do dia e ainda bem. Como eu costumo dizer, quando todos percebermos que ir ao psicólogo ou ao psiquiatra deve ser algo tão comum ou tão simples como ir ao médico de família ou ao dentista, então demos um grande passo e estaremos perto de um mundo melhor. Se nos dói um dente vamos ao dentista. Não questionamos. Se nós dói a barriga ou a cabeça ou temos febre, vamos geralmente ao médico de família. Não questionamos. Mas muitas vezes, quando nós dói a alma, não vamos ao psicólogo ou ao psiquiatra... ou não vamos tanto quanto deveríamos ou logo que deveríamos. Atenção, isto não é (de todo) culpar ninguém. Só quem sofre de dores na alma e passa por caminhos sombrios poderá imaginar as dificuldades. Isto é dizer que vivemos numa sociedade que ainda não percebeu totalmente que é tão necessário e urgente cuidar da alma como do corpo. Se partimos a perna vamos diretamente ao ortopedista. Se partimos o coração ou se vamos sentindo a alma em padeços, não estamos tão preparados para ir diretamente ao psicólogo ou ao psiquiatra. Tenho pena. Tenho mesmo pena e espero que as novas gerações comecem a entender a importância de cuidar da alma. Aliás, acho mesmo que todos nós deveríamos ter a possibilidade de fazer psicoterapia. Eu já passei por dois períodos muito difíceis ao nível da saúde mental e da depressão. Tive há 7 anos uma depressão que foi diagnosticada, medicada e fui seguida por um psiquiatra e uma psicóloga. Ambos profissionais espetaculares. Aquela depressão foi acontecendo durante alguns meses, veio na sequência de uma mudança radical e inesperada na minha família, e quando dei por mim eu já não dormia o que devia, já não comia o que devia, já não queria ir às aulas na universidade e já não queria estar com os meus amigos. Já não conseguia estudar nem tinha qualquer capacidade de me acalmar ou de descontrair. Vivia quase em pânico. Pouco depois percebi que estava claramente num caminho doentio e não podia nem conseguia viver com aquela angústia. Só queria ficar bem. E então fui seguida por um excelente psiquiatra, tomei antidepressivos e ansiolíticos e comecei a fazer psicoterapia com uma belíssima psicóloga. Ao fim de seis meses deixei a medicação e o psiquiatra. A psicoterapia continuou durante mais de um ano e foi dos melhores investimentos da minha vida. Um ano depois da fase pior, em que tive de pedir ajuda, já me sentia tranquila e longe - muito longe - daquele estado de angústia e pânico. Felizmente não demorei muito tempo a pedir ajuda e consegui ir resolvendo o problema. Isto foi há 7 anos. Depois, há dois anos, e muito por causa de um problema de amor, comecei a sentir-me outra vez deprimida e angustiada. A chorar. Aí não dei muito tempo para que a depressão avançasse porque fui logo empurrada pelos meus pais para voltar a fazer psicoterapia. Não cheguei a ir ao psiquiatra nem a fazer medicação mas estava num estado lastimável. Foi das poucas vezes na vida em que consegui ter pena de mim. Acho mesmo que até demorei mais tempo a recuperar. Tive de fazer psicoterapia todas as semanas durante um ano, e depois passei para sessões de quinze em dias mais um ano. Foi muito duro e muito desgastante aquilo que senti, e cheguei a chorar de puro desgaste em duas ou três sessões. Como se pode ver, já levo uns quantos anos de psicoterapia no total. Acho mesmo que é dos melhores investimentos que podemos fazer em nós. Passamos a conhecer melhor quem somos, a perceber melhor como funcionamos, a organizar as nossas ideias e a nossa vida, a gerir as nossas emoções. Ganhamos estratégias e ferramentas. Tornamo-nos muito mais conscientes de quem somos e do que fazemos. Do que queremos. Para mim é uma ajuda enorme porque eu sou muito racional, não tenho facilidade em lidar com emoções e sentimentos e aquilo que tenho de bom na parte cognitiva, tenho de défice na parte emocional. Mas passo a passo conseguimos gerir e equilibrar tudo. Há aqui um pormenor importante: eu na primeira vez não estive reticente em pedir ajuda. Soube mesmo que precisava e que tinha de o fazer para ficar bem. Nem questionei muito. Quando foi a segunda vez, eu não queria pedir ajuda. Só pedi mesmo porque os meus pais me obrigaram. Porque me impuseram isso. Porque se certificaram que eu o ia fazer. E porquê? Porque para mim, naquela altura, voltar à psicoterapia ou voltar a pedir ajuda era quase assumir um fracasso ou uma derrota. Uma estupidez, mas foi a primeira coisa que senti quando eles me disseram que eu não estava bem. Claro que isso passou logo na primeira sessão. Mas isto para referir que muitas vezes não é fácil pedir ajuda. Para mim, há dois anos, não foi nada fácil. Custou-me fazer aquele telefonema a marcar a primeira sessão. Sobretudo porque tinha andado bem durante cinco anos e tinha achado que não voltaria a sentir-me triste ou angustiada ou deprimida. Agora sinto-me tranquila. Já desde o final do ano passado que me tenho sentido equilibrada e que posso dizer que estou bem. Sei, porém, que a vida é muito frágil. Sei também que sempre que puder não vou abdicar da psicoterapia ou de fazer pelo menos uma sessão ou outra quando quiser. Faz-nos bem a tudo. Sei também que muitas vezes é necessário pedir ajuda à psiquiatria e fazer medicação. Sem problemas. Eu tive a sorte de pedir ajuda, de ter essa ajuda, de ter o apoio da família, de ter amigos e acontecimentos que me ajudaram a superar todas as angústias. Que me ajudaram a curar a alma. Não é fácil mas é possível. Eu tive essa sorte. Mas a vida é sempre um equilíbrio muito frágil. E pode ser muito difícil lidar com certas perdas, certas preocupações ou certos acontecimentos difíceis. No meu caso eu nunca tive propriamente ideação suicida. Na primeira vez não tive mesmo, nem isso fez parte do meu imaginário, até porque eu só queria era ficar bem. Na segunda vez confesso que tive um dia ou outro em que só me apetecia atirar o carro contra um muro ou atirá-lo ao rio e ver o que acontecia. Na verdade, e sei isso agora, eu não queria (como nunca quis) morrer. Se eu destruísse o carro e arriscasse gravemente a vida talvez algo mudasse. Foi assim que eu pensei. Foi só mesmo uma ideia - felizmente - e nunca passou disso. Acho até que não teria essa coragem. Mas lá está, a vida é sempre um equilíbrio muito frágil. Nunca sabemos se não poderá haver um dia em que alguém passa da simples ideia à execução. Curiosamente, e falando de depressão, ainda há uns dias uma amiga minha disse em conversa que também ela já teve, numa fase difícil da vida, a ideia de atirar com o carro contra um muro para se suicidar. Achei curioso a coincidência. E somos pessoas racionais, inteligentes, bem estruturadas, com famílias coesas, com amizades e relações sólidas. Pessoas amadas e pessoas que, de forma objetiva e abstrata, até tem muitas coisas boas na vida. Porém, pode acontecer a todos de haver uma fase ou um dia em que temos uma ideia assim. Por isso, mantenhamo-nos atentos. Cuidemos de nós. Cuidemos da nossa saúde: física e, sobretudo, mental. Cuidemos da saúde dos nossos, física e mental. Estejamos atentos. É tempo de perceber que as dores de alma podem ser tão ou mais sérias que as dores físicas. No dia em que a nossa sociedade vir o psicólogo ou o psiquiatra como alguém que está lá para ajudar e para tratar da nossa saúde e das nossas dores de alma, então já demos um grande passo. No dia em que percebermos que o psicólogo e o psiquiatra são para todos nós, para qualquer um de nós, e não para "quem é maluquinho" ou "para quem é fraco" então demos um passo ainda maior. Não me digam nunca "porque é que vais a um psicólogo se podes falar com um amigo" ou algo do género. Eu já ouvi isso. Lembrem-se que devemos caminhar na direção exatamente oposta. A pergunta mais correta é sempre "porque é que ainda não foste a um psicólogo?" e nunca "porque é que vais?" . Quando lá chegarmos, teremos um mundo melhor. Para todos. Quando lá chegarmos, perceberemos finalmente que somos todos seres biopsicossociais, que somos extremamente complexos, e que muitas das vezes precisamos de quem nos guie de forma profissional, de quem esteja preparado para nos ajudar a curar a alma, de quem nos vá ajudando a traçar o caminho. Todos nós. Qualquer um de nós. Porque no amor e na dor somos todos demasiado iguais (e todos demasiado humanos, demasiado frágeis e demasiado falíveis).