Hoje recebi a minha cédula profissional. Quando decidi fazer o estágio, decidi-o porque era algo que eu achava importante e que queria fazer, mas nunca encarei este caminho como algo para a vida. Aliás, fui feliz durante o longo período do estágio mas sempre na certeza de que, depois, iria para outras paragens. Porque nunca quis ser profissional liberal, porque isto exige demasiada entrega, porque isto exige muito esforço e sacrifício pessoal, porque os horários se estendem e não há grande fronteira entre o pessoal e o profissional, porque só queria um horário certinho e férias certinhas sem ninguém me chatear muito, porque nunca tive propriamente o desejo de trabalhar a solo, porque nunca tive propriamente a vontade de carimbar o meu nome numa placa, numa porta, em documentos e por aí fora. Aliás, andei durante todo o longo tempo do estágio convencida de que nunca chegaria a receber a cédula. Convencida de que, depois da aprovação e de chegar à meta, suspendia logo a inscrição e seguia caminho para outros locais. Em momentos em que me senti zangada com a minha Ordem, cheguei a dizer que só queria cuspir na cédula antes de a devolver. Cheguei a dizer que, se tudo corresse bem, eu suspendia a inscrição e não a voltaria a ativar. É verdade que terminei o estágio, é verdade que passei nas provas, é verdade que a seguir fui logo para outras paragens. O plano estava traçado e eu segui-o. Quando me inscrevi, fi-lo na certeza de que era para suspender a seguir. O que se seguiu foi tudo completamente ao lado dos planos: a verdade é que tudo o que (me) aconteceu no local para onde quis ir foi de uma enorme infelicidade. Fui de coração aberto e alma plena, pronta a ficar e a dar o melhor de mim, mas o que se seguiu foi mau, demasiado mau para ser verdade. Não gostei de praticamente nada, perdi a paz, perdi a calma, perdi as certezas, chorei mais que a conta, contei as horas todas e os minutos todos, perdi a auto confiança e a segurança, ia perdendo a auto estima, por fim perdi o sono e a fome, e houve um dia em que tive de pôr um ponto final. Depois desse ponto final, acabei por voltar. Repensei, refleti, questionei, escrevi, pedi opiniões, fiz consultas, ouvi quem achei que era importante ouvir e por aqui estou. Sem grandes certezas, sem saber muito bem se é mesmo por estes lados que vou permanecer, sem saber se isto é mesmo o melhor para mim, mas com a certeza de que só saio para algo que seja efetivamente melhor. Só saio para algo que me traga vantagens e que me faça feliz e não volto a cometer os erros que cometi. E é assim que hoje, dia 2 de julho, acabo com uma cédula profissional na mão, daquelas a sério, com aquele símbolo atrás brilhante, e sem planos para a devolver. Se calhar, e refazendo o que disse tantas vezes antes, se tudo correr bem fico com esta cédula para sempre. Já não direi mais que a quero devolver. Nunca de ânimo leve. Só e apenas se algo melhor estiver para vir. Se calhar esta cédula dá-me uma paz e realização que não encontro noutros locais. A verdade é que este dia aconteceu. Provavelmene teria de acontecer... e aqui estou eu, com a cédula e com respeito por ela e por este caminho, sem a querer devolver e sem lhe querer "cuspir". A vida há-de desenhar-se como tiver de ser desenhada, o caminho far-se-á caminhando, e o que tiver de ser será. A cédula é minha, é fruto de todo o meu estudo, esforço e mérito, e eu vou guardá-la num canto especial. Se um dia a devolver será também por bons motivos. Se ficar com ela para sempre também será por bons motivos. Assim seja.