A cidade depois da tempestade
Hoje tive um dia que não foi um dia... foi uma tespestade de sentimentos e de lágrimas. Hoje vivi uma das tardes mais longas e difíceis de sempre e vi uma amiga enterrar o pai dela. Não há outra maneira de o dizer, por mais que me doa escrever isto... e por mais que me doa a certeza de que nunca ninguém devia ser obrigado a despedir-se assim de um pai, muito menos aos 24 anos. Não, não se está preparado. Mantive-me firma na convicção de não chorar e consegui, mas desabei no momento em que entrei finalmente no meu carro para vir embora. E aí, a partir desse segundo em que finalmente fiquei sozinha comigo, fui tudo o que naquelas horas não consegui ser... e tive uma série de flashes por entre as lágrimas que me corriam e vi e revivi a ausência dos meus pais, a incerteza do regresso deles, a falta do colo deles, a falta do abraço do meu pai quando só o queria agarrar naquele momento e confirmar que ele estava ali, o desamor, os pedaços do meu coração desfeito, a descrença no amor, a angústia de alma e a angústia física de não conseguir encontrar o amor e viver de coração desfeito. Por coincidência das coincidências já tinha há dias um jantar marcado com as minhas outras amigas e foram elas a salvar-me o dia e a vida, como o tem sido tantas vezes nestes últimos tempos. E então fomos jantar.. e conversamos, e sorrimos, e falamos de colegas, e de trabalho, e de aulas...e falamos de nós e da vida e do amor... e sorrimos e recordamos e revivemos momentos felizes...e contamos histórias de rir... e percorremos as ruas da cidade noite fora... e sentamo-nos nas escadas em frente à avenida e recordamos histórias felizes... e comemos gelado enquanto falávamos de signos e de coisas giras... e fomos a um bar e rimos até doer a barriga... e eu fui salva por elas. Hoje como em tantos outros dias. E saí de lá com o coração sereno e a alma tranquila... renovada e sem o sufoco da tempestade com que cheguei à cidade. E a lua estava linda, tão linda que só visto... e lembrei-me enquanto percorríamos as ruas da cidade daquela música "A cidade até ser dia". Hoje pisei a cidade com as almas bonitas que me tem acompanhado e fui salva por isso. Depois da tempestade veio a calma da cidade e fui lembrada de que enquanto houver estrada para andar a gente vai continuar. A vida é dura, é cruel, é imperfeita, é traiçoeira, é difícil, arranca-nos o tapete do chão, faz-nos desabar o mundo.... mas depois também é demasiado perfeita naquilo que tem de ser e em certos momentos... e então acontece isto: aquele plano de jantar feito há dias não foi só isso, foi o ar que eu precisava para poder continuar a respirar depois de um dia de tempestadade violenta e arrasadora... coincidência ou não, a vida talvez soubesse antes de mim o quanto eu ia precisar de pisar as ruas da cidade por entre sorrisos e memórias bonitas depois de ter perdido o chão durante a tarde.