Quando a abstenção supera tudo
Acho que as eleições de ontem não trouxeram assim tão grandes surpresas. O PS ganha sem maioria, o PSD perde e encara isso como uma vitória porque esperava que fosse pior, o CDS espalha-se à grande, o BE continua e a CDU perde bastante. Depois há os pequenos e pronto, não houve assim grandes surpresas.
Para lá dos paridos e dos seus resultados, há que olhar para a abstenção e pensar nela de forma séria. É assustador e preocupante que, depois de tantos terem lutado pelo direito ao voto, haja tantos que o ignorem e assobiem para o lado. É ainda mais assustador porque acho que grande parte dessa abstenção vem dos jovens: jovens que deveriam ser os mais interessados em escolher aquilo que querem, em escolher o país em que querem viver, em escolher o futuro que querem para o país e para si. Não consigo conceber a ideia de se ficar assim, numa inércia gritante e a assobiar para o lado, num desinteresse que é inqualificável. É deixar que os outros tracem o caminho e escolham o futuro por nós... será que é assim tão difiícil e tão exigente andar uns metros e votar? E ainda há outro fator: acredito que muitas das pessoas que ontem não se dignaram a ir votar são depois as primeiras a reclamar de tudo.
Li hoje um texto em que a autora dizia que liberdade significa ter o direito de não querer votar. Dizia ela que o voto é um direito e, por isso, é possível escolher não o exercer. O que ela disse está, pelo menos do ponto de vista legal, correto: não tendo nós um sistema de voto obrigatório, as pessoas podem de facto não ir votar (e fazem-no sem qualquer problema, como se vê). Acrescentava a autora que essas pessoas, depois, tinham toda a legitimidade para reclamar. Não acho que tenham. Não posso achar e não podia discordar mais dessa opinião. Não consigo atribuir qualquer legitimidade nem qualquer valor a quem vem reclamar, depois de ter assobiado para o lado e ter deixado que fossem os outros a escolher, numa inércia e num não querer saber que são inqualificáveis. Acho mesmo que, quando a abstenção chega aos (quase) 50% - quando metade dos eleitores simplesmente não vai votar e não quer saber - é importante começar a equacionar o voto obrigatório. Não é normal nem aceitável que metade das pessoas não se dignem a ir votar. Aliás, e mais importante que isso, as próprias eleições e os eleitos deixam de ter a legitimidade que sempre deveriam ter. Por isso sim, nunca me tinha passado pela cabeça mas ontem comecei a achar que caminhamos para um sistema de voto obrigatório. Se vivemos em sociedade, não nos podemos demitir simplesmente de esolher aquilo que queremos para nós e para o país. As pessoas tem de ser chamadas à sua responsabilidade. Mais importante ainda que isso é a legitmidade: umas eleições onde metade não vota (no futuro talvez mais de metade) deixam de ter a legitimidade que a democracia exige. Não me lixem, mas houve demasiadas pessoas a lutar por este direito para que tantos se demitam de o exercer.