Quando alguém perde um pai...
Quando alguém perde um pai deve haver uma luz, naquele lugar mais profundo e íntimo de nós, na nossa alma, que se apaga. É um pedaço que é arrancado e que nos leva o passado, o presente e muito do futuro. Uma amiga minha perdeu o pai, de repente.. assim do nada, novo e saudável e morre de um dia para o outro. Outra amiga minha está a ver todos os dias o pai a morrer-lhe aos bocadinhos por causa de um cancro que se metastizou. Nunca ninguém devia ser obrigado a isto. Nunca ninguém devia ser obrigado a despedir-se de um pai aos 24 anos. Em idade nenhuma, mas muito menos quando ainda temos tanto para partilhar com os pais. Nem consigo acreditar... muito menos consigo imaginar a dor que seja. É um pedaço profundo de nós que nos é arrancado à força, é uma infância colorida e de sonhos que nos é rasgada, é um arco-íris de sonhos futuros que nos é desfeito. Caramba, nem consigo sequer imaginar. Rezo todos os dias, com a alma inteira, para que no dia em que a vida me obrigar a despedir-me dos meus pais eu tenha um casamento feliz que me suporte e um filho ou mais que me obrigue(m) a continuar a sonhar o futuro. E também espero nesse dia ficar com a certeza de que eles tiveram uma vida inteira, plena e feliz e... que eu tive uma vida inteira, plena e feliz de partilhas com ele. Aos 24 ainda somos crianças crescidas à procura do nosso lugar no mundo, aos 24 ainda precisamos sempre e infinitamente do colo dos pais, aos 24 ainda precisamos de saber que há um lar-raiz onde voltar, aos 24 ainda precisamos de ter a nossa base e raiz sempre lá para não termos tanto medo de voar sozinhos. Aos 24 ainda temos uma vida inteira de sorrisos, momentos e conversas a partilhar. Aos 24 ainda temos uma vida de memórias por construir com os nossos pais. Aos 24 o mundo ainda é "um lugar tão grande e tão frio" e ainda achamos muitas vezes que não temos o que fazer nem para onde ir. Aos 24 o nosso pai ainda não nos viu, muitas vezes, a viver um amor que nos faça felizes, ainda não nos viu ser pedidas em casamento, ainda não nos levou ao altar da igreja para casarmos. Aos 24 o nosso pai ainda não nos viu alcançar metas e sonhos profissionais. Aos 24 o nosso pai ainda não nos viu anunciar-lhe que vamos ser mamãs e ele vai ser avô. Aos 24 o nosso pai não conheceu o(s) nosso(s) filho(s). Aos 24 o nosso pai não deu colo, comida e mimos ao(s) nosso(s) filho(s). Aos 24 o nosso pai ainda não fez parte da vida, da alma e do coração do(s) nosso(s) filho(s). Aos 24 o nosso pai ainda não ficou com os netos em todas as noites e todas as vezes que quisemos sair para namorar ou passear. Aos 24 o nosso pai ainda não conheceu a casa com jardim e talvez com piscina que um dia queremos ter. E eu podia continuar, mas acho que já me cansei... porque aos 24 fica tudo por fazer, fica tudo por dizer, fica tudo por viver. Resta-me ter a presença possível na vida e na dor destas minhas amigas. Resta-me ainda mais continuar a pedir, todos os dias, que o meu pai me possa continuar a dar colo vida fora, e possa levar-me ao altar da igreja quando eu casar, e possa ver-me a ser mamã, e possa ver o(s) neto(s) dele a crescer, e possa tomar conta dele(s) e dar-lhe(s) todo o mimo e colo do mundo, e possa ver-me a ser profissionalmente feliz e reconhecida, e possa ver-me completa e feliz e serena e realizada e essas coisas todas. Com tudo isto só me lembro de duas coisas: da máximo do Carpe Diem e daquela música lindíssima que diz "Segura teu filho no colo / Sorria e abrace teus pais / Enquanto estão aqui / Que a vida é trem-bala, parceiro / E a gente é só passageiro prestes a partir".